A tecnologia a serviço das pessoas ou as pessoas a serviço da tecnologia ?
Percebo que o corre-corre do dia a dia às vezes nos faz passar por cima de algumas incoerências. Mas, por outro lado, nos cabe de vez em quando dar uma parada para algumas reflexões e, nesse sentido, gostaria de trazer à tona a questão das senhas eletrônicas. Você já parou para contar quantas combinações diferentes de senhas você já teve de cadastrar em sites, estabelecimentos comerciais, serviços públicos etc. ?
Lembremos que a senha eletrônica foi criada para substituir a assinatura manual da pessoa. A pessoa, por sua vez, no mundo real, assina, no máximo, de 2 formas: assinatura ou rubrica. E não deveria ser assim também no mundo digital? Por que a pessoa é obrigada a assinar eletronicamente de um jeito diferente em cada lugar ? E pior, “em nome da segurança” !!! Que segurança é essa, se a pessoa tem de anotar dúzias de senhas ? E se isso cair na mão de pessoas mal-intencionadas ? A mais segura não é aquela que a pessoa lembra (sem precisar anotar)? Além disso, cadê a produtividade ? Quanto tempo você perde para recuperar senhas que você precisa e não lembra ? E estamos só falando da nossa geração. Como ficará na geração dos nossos filhos, que amamos e queremos que eles sempre tenham tempo pra gente… Porém, se deixar livre a cada um dos milhares de softwares que as novas gerações vão passar a usar, e obrigá-las à infinita coleção de novas senhas, que tipo de qualidade de vida terão? Quando a próxima geração vai ter tempo pra tomar um café conosco ?
Não estou aqui desmerecendo o trabalho e nem a competência dos nerds responsáveis pela atual estrutura de segurança dos sistemas, que, bem sei, precisam defender o lado deles e nem sempre conseguem se colocar no lugar do usuário e pensar na melhor usabilidade.
Porém, vejo que a sociedade precisa começar a se preocupar com esse assunto, combater essa incoerência onde pode e, quem sabe, criar campanhas e ações de sensibilização das empresas e entidades envolvidas com a tal da segurança de acesso. Se parar pra pensar, hoje já existem tecnologias (biometria e social login, p.ex.) que podem substituir a antiga e antiquada senha digitada. E aqui, claro, também sempre cabe a reflexão: em que circunstância realmente é necessário adotar uma identificação sofisticada? Nessa linha, vi muito recentemente a regra da senha ofertada a quem se cadastra no site de uma das maiores companhias mundiais de e-commerce: “no mínimo 6 caracteres”. Simples assim. E muito coerente, a meu ver, pois cada cliente tem a liberdade de criar a senha a seu critério (formato simples ou complexo), a exemplo de quando a cidadã ou o cidadão vai ao cartório e registra a sua assinatura (para reconhecimento de firma), onde assina do jeito como ela/ele quer e não como o cartorário quer.
Em suma:
– As coisas são cíclicas. Há 30 anos vivíamos uma fase em que os profissionais de TI ditavam as regras e os usuários, sem direito a questioná-las, tinham de se conformar com elas. Veio a “abertura dos aeroportos” (década de 90) e os produtos estrangeiros entraram democratizando a TI brasileira: o usuário passou a ter mais conhecimento de causa e os profissionais de TI passaram a respeitar os usuários como clientes. E de forma geral, em seguida, a coisa se inverteu: quem passou a mandar foi o usuário (menos no formato da senha).
– Temos de lembrar da missão e do propósito da tecnologia: ele deve servir as pessoas e não fazer com que as pessoas a sirvam; temos de fazer com que a tecnologia melhore a nossa qualidade de vida e não permitir que sejamos torturados ou infernizados com centenas de senhas … Porém, do jeito como as coisas estão caminhando, se continuarmos aceitando as incoerências como essa da senha x assinatura, o ser humano passará a trabalhar para a máquina.
– Apesar do assunto já estar sendo discutido em altas esferas de classe mundial, ainda não se chegou a um consenso. Mas é importante manter o assunto em pauta e, enquanto não houver solução ideal, zelar por métodos simplificados.
Leonardo R M Matt – set/2018